TEXTOS E MENSAGENS
Encontrando um velho
conhecido imerso na meditação, em plena luz do dia em um parque da cidade,
destacado este pela vegetação, frescor e a agradável sombra, José decide
surpreendê-lo com uma efusiva saudação:
– E então caro Joaquim... devo deduzir que você se
tornou ambientalista ou um oftalmologista das ruas?
– Nada
disso. Nem um ou outro. Estou aqui em busca de concentração.
– Kkkkk. Eis
um excelente lugar para concentrar-se – destacou sarcasticamente o
recém-chegado.
– É sério.
Estou por desvendar um enorme dilema nacional.
– Opa!
Depois de se aposentar é que busca a celebridade? Parece um pouco tarde.
Diga-me de que se trata. Quem sabe o prêmio seja compartilhado...conte!
– Apresentarei
a questão central. Preste atenção e sem piadinhas. Veja: Ultimamente, tenho me
dedicado a estudar assuntos que durante minha vida não tive a capacidade de
aprofundar. Nos últimos dias, tenho lido umas coisinhas de Direito, Política,
essas coisas assim, de gente sabida. Pois li em um site algo interesse. Dizia o
artigo que dito foi no Direito que desde os primórdios da civilidade proibido e obrigatório são diferentes de permitido
e por esse derradeiro é claro que a distância entre ilegal e legal resulta
nítida. Foi reforçado na história como axioma que tal diferença é pilar
fundamental para a preservação da ordem e da paz social. O primeiro
identifica-se desde sempre com aquilo que o ordenamento jurídico posto não quer
que suceda ou deixe de ser feito ora como proibição ora como obrigação, sendo
essa vontade reguladora sustentada e acompanhada por consequências negativas
para quem cometer ilegalidade. Me acompanha até agora?
– Acredito
que já vi isso em algum lugar também. Nada de mais, coisa de senso comum. Mas
onde você pretende chegar? Esse não é o tipo de papo para um parque...melhor
seria se estivéssemos em salas de aulas munidos de livros!
– Que nada.
Me deixe prosseguir. Verás a relevância do tema, inclusive para fora das salas.
Principalmente para fora delas! Presta atenção: É verdade também, segundo os
ensinamentos, que essas regras do Direito têm seu cumprimento garantido
por instituições e autoridades cujas funções são zelar pela eficácia de tais
regras e aplicar as consequências correspondentes, isto é, as sanções. Dessa
forma, ficarão assegurados níveis mínimos de eficácia para preservar a ordem
almejada, sendo possível entender o Ordenamento como vigente. Se concordares, a
seguinte premissa seria correta: Posto o Direito e as normas que o formam, uma
autoridade respeitável e exemplar seria aquela que se destacasse por cumprir as
normas de direito e ter atitudes e comportamentos sociais acordes a elas. Em
consequência e sob o mesmo raciocínio, um bom
cidadão resulta aquele que cumpre com as previsões legais de proibição e obrigação de maneira espontânea
e consciente. Não vejo como alguém
discordaria disso. Certo?
– Discordar
não discordo...mas tenho uma pergunta a fazer-lhe, se é que me permite. Posso?
– Claro,
ora. Estamos em um diálogo, não monólogo. Adiante.
– A partir
desse seu raciocínio e as premissas que você colocou... devo entendê-las no
mundo do ideal ou pelo contrário, deveriam ser contextualizados a nossa sociedade
e ao Brasil? Pergunto isso porque o entendimento mudaria segundo a primeira ou
a segunda hipótese. O que me responde?
– Pensei no
meu país. Penso nele o tempo todo e me esforço por entender as coisas que estão
acontecendo desde que me aposentei em 1993. Por isso não é um debate apenas
para os professores e alunos de faculdades chiques! Não preciso estar de terno
e gravata para conversar sobre meu país. Estou sofrendo, se você quer saber.
Poderíamos, acredito, estar bem melhor e ser mais desenvolvidos. Mas não
conversamos... enfim, essa será outra reflexão. Voltando ao assunto, confirmo
que me refiro ao Brasil.
– Bom,
permita que lhe chame de idealista, sonhador e surrealista, primeiro. Tendo
isso dito, passarei a dar uma opinião, se me permitir, claro. Posso sentar ao
seu lado? Estou em pé e você não foi bom anfitrião.
– Pode sim,
lógico. Até onde vai o meu entendimento, o parque é coisa pública e nós somos
correligionários do partido "O Brasil que merecemos". Senta e para de
enrolar. Fala!
– Ok. Veja:
Suas leituras são importantes e interessantes mesmo. Percebo sua euforia. Mas
temos um dilema. As leis como o Direito todo são fruto da vontade geral que
sintetizam e expressam os representantes eleitos democraticamente em certâmes
livres, abertos e pluralistas, por isso, todos são a elas vinculados. Mas
acontece que em nosso país apresentam-se duas situações: (i) entre os próprios
representantes existem violadores das leis que eles mesmos aprovaram; (ii) as
leis aprovadas nem sempre refletem o interesse e sentir dos representados, isto
é, o povo, que além de ser o verdadeiro, único e legitimo titular do poder, não
possui mecanismos para controlar e fazer exigências comportamentais, e muito
menos revogar a confiança entregue nas urnas, aos citados representantes.
Conclusão: Se ambas premissas fossem certas, os representantes não são dignos
representantes e as leis aprovadas deveriam ser revistas em favor dos
interesses do povo. Sendo certa essa conclusão sua formulação é surreal!
– Aceito sua
argumentação em parte. Minha formulação é teoricamente
correta. Surreal deve ser a maneira com que os representantes e as autoridades
apreciam a realidade nacional, seu papel e responsabilidade, assim como nada
real é a percepção que eles têm sobre os anseios e necessidades do povo
brasileiro. Caso contrário como explicar que eles recebem mandatos de
confiança e que assumem deveres institucionais, jurando respeitar e
defender a Constituição e as leis, mas a violam cometendo atos e ações que
acabam com toda a necessária e útil legitimidade e autoridade? Já que colocam
interesses pessoais e corporativos por cima do povo que representam. Se você
quer saber... essa a questão central da minha meditação! Por muito que me
esforço não consigo compreender, que tipo de pessoas são essas que escolhemos
para nos representar, sintetizar e expressar nossa vontade soberana pelas leis
e cuidar de nossos interesses e patrimônio. Angustiante.
– Compartilho
a dúvida e a angústia em número, gênero e grau.
– Às vezes
penso que o sistema desenhado gera esses absurdos, como também penso que a
maneira em que as elites tradicionais foram tratadas quando cometiam felonias,
que envolvem corrupção, compra de votos, caixa dois, três para campanhas
políticas, tráfego de influência, peculato, lavagem de dinheiro, crimes de
colarinho branco, foram historicamente consentidas ou quando menos ignoradas
pelo poder da influência, do status e a força do dinheiro, mesmo que essas
ações sempre tiveram tipificação de crime contra a administração pública, a ordem
democrática...
– Contra a
decência, a moral positiva, o senso patriótico e o espírito republicano –
interrompeu o outro-
– Pois é, um
mal multiplicado que foi criando uma fumaça de silêncio e conivência entre
eles! Distinto tivesse sido se os representados e o povo em geral houvessem
tido acesso a um pedaço dessas ilegalidades. Não compartilharam nem um
pouquinho com aquelas que os colocaram em seu posto!
– Mesmo em
tempos de informação e mídia ativa e comprometida! Ainda que às vezes
utilizem-se do sensacionalismo como método.
– Bom,
alguns veículos midiáticos manipulam as informações, mesmo que verídicas,
segundo orientação editorial e interesses dos proprietários.
– Olha...vamos
descansar um pouco. Já me atinge a dor de cabeça...ora por impotência ora por
falta de explicação suficiente. Nós não temos soluções mesmo! E digo mais, a
minha vontade é largar tudo aqui e ir embora mesmo. Ninguém se importa conosco,
não fará diferença. Minha dor de cabeça me pede um descanso.
– Calma lá!
Impotência não. Inocência. Inocência injustificada. Ninguém dá o seu para os
outros administrarem sem controlar e
vigiar. É necessário estar mais
atento e pedir prestação de contas das ações, mandatos e atuação dos
representantes e autoridades. Não podemos desanimar, nem desistir! Tudo está em
internet e deveríamos….
– Basta! –
Interrompeu novamente o outro- Seguiremos amanhã, prometo que voltarei. Aceita
tomar um café por minha conta?
– Apenas
irei se me prometes que amanhã seguiremos. Ok?
– Ok.
Combinado. Vamos.
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