SILILÓQUIO


– E você, porque olha para mim? Acredita ser superior porque ainda veste ternos caros comprados com dinheiro da res publica enquanto eu uso uma roupa produzida pela República? Ou será que está pensando que meu final não será o seu, porque seus chegados tinham experiência na atividade enganosa de anjos? Sendo que são tão diabólicos como aqueles aos que me associei? Tolo. Você não descobriu ainda que somos os mesmos? Parasitas que vivem aderidos, alimentando-se do suor alheio e da confiança depositada em nós pelo contribuidor? Seus dias de lambança estão contados. Verei você como tu hoje me vê. Mesmo inequívoco destino para caminhos equívocos.
Ri de mim que fui ingênuo e desprevenido, porque deixei rastros, esquecendo que quando rouba o queijo, deve o rato apagar sinais para não ser perseguido pelo gato. Pode ser que tenha me faltado clareza sobre de quem era o queijo a roubar. Ou até mesmo conhecimento relativo a se deveria me comportar como gato ou como rato.
Esperto você, paradoxalmente, bancou o gato na célebre Comissão, ilustre protetor do queijo, que com firmeza puniu o rato. Apesar disso, que não esqueças: quem um dia se vicia em roubar queijo é rato e algum gato aparecerá para prendê-lo.
Continue a rir. Pode dar risadas de mim e da minha situação. Eu pago pelo que fiz de errado e ficarei no final melhorado, pois haver-me-ei livrado de um vício e isso já é virtuoso. Mas, e você, pretenderá viver sem virtudes quanto tempo mais?
Virtudes não compram vinhos caros, lanchas e viagens, porém são inerentes ao compromisso de representar aqueles que nos deram seu poder para agirmos e decidirmos por eles, o que delega honorabilidade, respeitabilidade, legitimidade e honra. 
O dinheiro compra o que mencionei e muito mais, mas não elimina a vergonha, e muito menos compra o caráter ou a dignidade. Essas são acessíveis apenas às ações e atuações virtuosas. Dinheiro é necessário e útil, claro, todavia aquele honrado, ganho digna e legitimamente como resultado do trabalho, inteligência e bom obrar. Nada ver com falcatrua, malandragens e safadezas, nem mesmo dos “honoráveis bandidos”. Esse lucro que você invoca não é incluído no conceito dinheiro dentro dos códigos morais civilizados, são sim propinas, ou se mais te agrada benefícios espúrios.
Não é esta uma tentativa de filosofia barata.
Não sei se acabará com o que você chama de burlesca “metamorfose moral”. Não sei mesmo, mas pelo menos eu não serei mais um inimigo do meu povo, ao enganá-lo e roubá-lo. E saiba ainda mais, serei um defensor da moralidade e a integridade cidadã dos representantes. Me transformei de rato ladrãozinho de queijos em gato? Pois é, nisso você está certo. Sentir-me-ei bem melhor sendo um zelador do patrimônio do povo que um ladrão dele.
Fim de conversa. Não espere mais minha complacência! Estamos em lados opostos da barricada.

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