ORDEM E PROGRESSO
Numa tarde ensolarada e de muito calor, com a
humidade baixa em tarde comum do outono brasileiro em Brasília, encontraram-se
dois velhos e bem conhecidos amigos. Eram, na verdade, grandes parceiros por
terem compartilhado tantos momentos juntos por mais de meio século.
Esse encontro não programado aconteceu porque ambos
decidiram andar um pouco, aproveitar o feriado e descontrair suas cabeças
atormentadas pelos tantos e muitos problemas que nos últimos anos afligiam as
suas próprias existências. Ambos
tinham frescas nas memórias aquelas duas décadas de terror e sangue em que foram esquecidos, ultrajados e
deturpados, visto que todo o simbolismo
que representam foi relegado em favor de uma ideologia excludente, que sob a
justificativa de proteger ambos dos demônios vermelhos, sujaram as ruas de
mortes.
Outros tempos viviam-se nas últimas três décadas e
ambos tinham novamente renascido, florescido, fortalecido e consolidado, mas tudo estava em turbulência. O
clima político mostrava-se instável, as melhores ideias e projetos estavam sob
risco de perecer e em consequência, os velhos serem considerados obsoletos.
Tempos turbulentos e de muitas instabilidades. Tempos propícios para ideias e
propostas ruins, ou até pior: falsos messias se apresentarem a pregar os fins dos
tempos e mudanças que na verdade representariam retrocesso e desordem.
A preocupação de ambos se justificava na medida em
que notavam um abandono a eles, o simbolismo que representavam e suas condições
de referenciais históricos e ancestrais.
Em determinado ponto da esplanada dos Três Poderes,
justamente frente à estátua da deusa Têmis (aliás, sentada, aparentemente
tranquila e segura da imortalidade do seu simbolismo e valores), localizada
logo em frente ao Supremo Tribunal Federal. Grande coincidência que os velhos
olhavam detidamente a estátua da deusa grega, inferindo em suas meditações
internas que ali estaria parte da solução às tormentas.
– Ordem e Progresso, adiante
Brasil!
Escutou-se os gritos de ambos, tal como coro
coordenado. E na esplanada toda repercutiram aqueles sons que levavam a
intenção de acordar cada tijolo das estruturas bem desenhadas por Niemeyer
enquanto os sinos da Catedral chamavam à renovação da fé desse grande povo pela
glória vivida.
Depois de trocar olhares carregados de esperanças,
resultado da reflexão retrospectiva, aparecem as primeiras palavras:
– Trata-se de varrer todo mal, de acabar com essas imundícias
comportamentais que desonram. Voltar aos grandes pilares e erguer a
combatividade. Não podemos entregar o país e tudo o que com tanta luta e sangue
conseguimos. Como esquecer que ....
– Democracia demais! Liberdades que diminuem e acabam com a autoridade e
o poder de punir. Direitos ilimitados. É o fim. Nós mesmos em grande parte
somos culpados. Defendemos um paradigma louvável, esquecendo detalhes
culturais, sociológicos e mesmos psicológicos. A questão da natureza humana
escapou de nossa visão. Agora estamos forçados historicamente a retroceder.
– Retroceder!? Jamais! A liberdade, os direitos e a democracia serão
para todo sempre! Nem pensar em diminuir ou restringir porque irei para as ruas
novamente. Não! Essa nunca será a solução. Não aceitarei antidemocracia ou
involução institucional de maneira nenhuma. A democracia é um regime virtuoso
porque tem os mecanismos de correção suficiente e assim é autossuficiente para
resolver seus problemas e desvios. Não insinue para mim essa negação. Trevas,
atrocidades, obscurantismo do humanismo, desinstitucionalização... por favor,
você só pode ter esquecido os ocorridos que se iniciaram há aproximadamente 50
anos e tiveram fim em 1985. Pretendes ir contra a Assembleia Constituinte em
que tomando aquele Plenário (sinaliza
para o prédio do Congresso Nacional) erguemos o maior símbolo da ordem e o
progresso: O Estado de Direito?
– Não esqueci e muito menos poderia. Olha aqui (num gesto brusco e inesperado levanta a camisa branca e mostra a larga
e comprida ferida atravessando as costas). Não cura. A que levo na alma
muito menos.
– Pois bem, curará, até porque começou a ser tratada e esperemos que
seja tarefa sucedida. Isso está em andamento. Confiemos e esperemos. Mas
devemos criar antídotos, ou melhor... utilizar os que já existem
institucionalizados, para deter a crise atual e impedir que os sonhos
republicanos sejam interrompidos pelas turbulências que nos assombram.
– Coincido que essa é a questão principal. Mas diga, por que acabou
vindo para este ponto?
– O Estado de Direito precisa de um zelador Supremo cuja
institucionalidade não esteja sob os embates das lutas políticas, ao menos
diretamente, que possa ter como labor precípuo a guarda da vontade da
Constituição e a vontade de Constituição, que em definitivo serve àquela de
referencial axiológico-normativo e à comunidade política de referencial. Nós,
Brasil, constituímos um Estado de Democrático de Direito, por vontade
constituinte ou da soberania popular. Confiamos essa relevante tarefa ao
Supremo Tribunal Federal que pela sua autoridade e consistência jurídica,
constitucional e política tornou-se depositário da confiança popular, bem
justificada quando atua nos seus limites institucionais e reduz os outros
poderes aos seus. Mesmo que tenha algumas discordâncias com decisões isoladas
apresentadas, sua atuação deixa-me confiado em que defenderá aquilo que
queremos ser e ter como comunidade política-nacional bem exposto na
Constituição. Por isso, vim aqui a tomar
forças, confiar e me orgulhar por tudo o que fiz e de tudo o que temos. Não
perderemos nem deixaremos nos roubar a glória com que temos vivido.
– Faço minhas suas palavras, reflexões e sentimentos. Apenas adiciono,
se me permitir, que vim para dizer a “ele” que estou aqui para o que deva fazer
por meu país, meu povo e as novas e futuras gerações. Repetiria tudo de novo se
grupos, pessoas ou partidos ousassem atacar o que considero mais sagrado como
guias morais e axiológicos: somos um povo livre, grande e vivemos pelo
progresso e a ordem.
– Perfeito. Agora vamos tranquilos ao Restaurante Brasil na região Sul
brindar por um país melhor.
Seguidamente,
jogou o braço direito sobre os ombros do amigo e foram andando até a próxima.
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