INDÍCIOS, SUPOSIÇÕES E PROVAS
Chaïm Perelman, em “Ética e Direito” incluiu
em seus escritos a diferença entre provas, presunções, ficção e convicção,
mesmo que para fins de explanação da tecnologia da argumentação. Ao fixar as
diferenças, o referido autor delimita o que é verdade daquilo que ainda não
deve receber esse qualificativo. Na obra, discorre que em determinadas situações, de modo a conseguir alcançar verdades e
decisões, juízes se utilizam de provas concretas (de fato, verdades) ou
suposições (ficcionais ou por meio de analogias), permitindo oscilações
interpretativas no processo. Assim, continua Perelman, assumem suposições sem
compromisso de veridicidade, o que poderia provocar um desvio de princípios
legais (por exemplo, presunção de inocência) devido a juízos de valores
individuais (fuga da realidade judicial). E é especificamente nesse momento que
nos movemos da busca pela justiça segundo a lei e a vontade do legislador para
a justiça segundo credos e orientações individuais dos julgadores.
(PERELMAN,1996: 559 – 610)
Os perigos que nessa obra Perelman sinaliza nos
levam a questionar se existe uma utilização educativa desses vocábulos na
linguagem midiática e mesmo nos discursos profissionais. A impressão que se tem
é que se apela a tais vocábulos como sinônimos, quando na verdade têm tanto na
linguagem comum quanto na própria do direito significados distintos e por isso,
sua utilização exige precaução.
A partir da exposição de Perelman pretende-se
discorrer neste ensaio sobre a diferença entre INDICIO, PRESUNÇÃO, SUPOSIÇÃO e PROVA, visto
que partindo do dicionário da Língua portuguesa, cada um desses
vocábulos tem significado diferente, embora todos refiram-se a fatos e
acontecimentos cuja compreensão bem encaixa-se no contexto processual (e onde,
aliás, cobram toda relevância).
Independentemente dos métodos escolhidos para realizar interpretações, a
diferença semântica é notável porque cada um deles reflete um estado próprio no
processo de apreciação de fatos e acontecimentos, por isso, a distinção entre
tais vocábulos deve ser feita, mesmo que se utilize de uma pragmática
coloquial.
É
incompreensível que formadores de opinião e excelentes veículos de comunicação
incorram nesses usos poucos educativos, e que longe de esclarecer, criam juízos
de valor erráticos e posteriores decepções sobre instituições, e da mesma forma
sobre a política e o direito que praticamos como comunidade humana.
Não
é formativo tratar indícios como provas, presunções como indícios, suposições
como presunções, suposições e presunções como provas. Os efeitos seriam os
mesmos que esquecer a diferença entre suspeito e indiciado, inocente e
indiciado, suspeito e investigado, suspeito e indiciado com condenado, e este
com efetivamente culpado.
Diferenciar
ajuda a fazer prevalecer o mais antigo e valioso dos princípios sob o qual
vivemos em Ocidente e cuja contribuição ao desenvolvimento civilizatório e
humanista das comunidades políticas é considerado inestimável, isto é: A
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA.
Presumir
alguém inocente não significa inocentá-lo, imunizá-lo, ou criar impunidade, é
algo bem diferente e superior: Representa dar-lhe a possibilidade de
defender-se e ser favorecido por outro princípio antológico de DEVIDO
PROCESSO LEGAL (Due process of Law) e com ele a ampla defesa que o
integra.
Considerar
alguém inocente até trânsito em julgado é valorizar as instituições e legitimar
tanto elas como a atividade que realizam. O que o STF e seus Ministros venham a
argumentar não muda isso. Eles podem interpretar o texto constitucional e mudar
ou dar nova leitura a um enunciado que expressa a vontade da
Constituição, mas nunca poderão, por muito veneráveis que sejam, alterar
a vontade de constituição, dado que isto seria uma
inconstitucionalidade moral e um afastamento de sua institucionalidade e
legitimidade.
O
inocente deve receber o tratamento ante a lei de “não culpado”, mesmo que seja
suspeito, investigado, indiciado ou mesmo condenado em alguma instância que não
seja definitiva e até a decisão não transitar em julgado. E esse status de
inocente por presunção deve ser preservado pelas instituições e as autoridades
normativas, inclusive se a mídia ou grupos ou indivíduos queiram mudar isso. Se
a Lei possibilita uma sucessão de recursos que retardam a possibilidade de
cumprimento de penas condenatórias, dever-se-á recorrer aos mecanismos
constitucionais, legais e institucionais para tratar de reverter essa vontade
legal, pois definitivamente a saída não pode ser afastar-se do espírito
democrático e garantista que trouxe a Constituição.
Indícios
não tornam ninguém condenado. Indícios são caminhos a seguir nas investigações
a partir de dados, evidências e fatos, que deverão ser averiguados, de modo a
ver se resultam, pela realidade dos resultados, em provas. Uma vez provados, os
fatos poderão ser interpretados, comentados e inclusive motivar juízos de
valor, mas nunca racionalmente negado.
Presunções
de culpabilidade não superam a presunção de inocência nem a vencem. Esta última
antecede e supera aquela. A primeira é apenas uma hipótese sujeita a
comprovação com elementos suficientes que transformem ficções em fatos
comprovados. A referida presunção de inocência é um axioma, cuja auto evidência
derruba toda culpabilidade presumida.
As
suposições não culpam e não condenam. Guiam as investigações e podem inclusive
sendo frutos da experiência profissional e até do sexto sentido de utilidade
para chegar a presunções, mas nunca terão o valor racional das provas.
A
justiça, em sentido tanto legal como moral, pressupõe que a inocência, ademais
de presumida, seja ressaltada. Condenações e culpabilidades antecipadas
desvalorizam os pilares democráticos que fazem considerar o Direito justificado
e retiram das autoridades normativas importantes cotas de legitimidade. A
comunidade política deve manter o apego aos princípios constitucionais que
sustentam o que coletivamente queremos ser e desejamos ter.
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