ENCURRALADA

Encurralada, perseguida, estigmatizada e à defensiva andava. Seus antigos espaços, assim como patrocinadores e parceiros em geral haviam-na abandonado. Agora estava sozinha e isolada. Ela, que tinha vivido sua vida nas últimas décadas rodeada de aduladores, amigos, companheiros, correligionários, irmãos, seguidores e incontáveis admiradores, terminou aquietada num pequeno espaço onde os metros quadrados mal permitiam exercitar seu cansaço, cansaço esse de tantas e tantas caminhadas pelo Brasil, acompanhando a ascensão das ações antirrepublicanas, que vacilando ora à esquerda ora à direita, exaltavam o fim dos limites e por meio de discursos inflamados chamavam à confiança, quase cega, das estratégias libertárias. Artimanhas.
Na nova situação, ela debatia-se sobre suas chances de sair do isolamento e as possibilidades reais de recorrer aos seus antigos chegados em busca de companhia, apoio e amparo. Formulava reiteradamente como reativar sua outrora vida de foco entre as vidas, as mentes e os corações de muitos e de tantos. Logicamente, também das economias, finanças e riquezas de outros tantos. "Qual seria o passo certo nestas circunstâncias?", se perguntava com reiteração obstinada e perante a autodescoberta da incapacidade de pensar continuamente e de forma concentrada num assunto qualquer, mesmo que fosse aquele que resolveria sua vida próxima. Indagava-se:
– Estou perdida, sim. Mas, como cheguei a esta situação tão agoniante e distinta daquele pela que lutei tantos anos e que me havia dado todas as vantagens de que disfrutara? E não importa agora, perante esta realidade bem distinta, minúscula e custodiada, se foram legitimas ou ilegítimas, legais ou ilegais, morais ou imorais...foram vantagens que tinha conseguido com meu poder de envolver aos outros e em consequência implicavam o direito a desfrutá-las! Onde andarão meus súditos sem mim? O que estarão fazendo para mudar a situação atual? Ou melhor...para salvar-me dessa?
Longe estava ela de saber que seus comparsas, antigos comparsas na verdade, deixaram ela nessa inédita situação justamente para não ter eles que vivê-la. Foi simples escolher pela sobrevivência deles em face à dramática situação de sua (outra) eminência. Tudo, claro, era um amor circunstancial e conveniente, por isso, é de se esperar que farão odes à máxima: “Rei morto, rei posto”. Se ela soubesse, ao menos imaginasse, que estava sendo a caçada enquanto criava caçador, que aqueles que a adularam já tinham adulado outros e depois dela adularão os que estejam por vir, eles próprios ou os descendentes deles...
Ela não havia se preparado para viver (na verdade, sobreviver) no novo cenário, tão acostumada àquela vida de conluio para o mal, à conivência ante o proibido, a beneficiar-se diretamente ou indiretamente da coisa alheia ou ainda fomentar benefícios ilegítimos para outrem, que sua breve visão republicana a impediam de compreender. Quiçá de enxergar que maremotos morais tinham chegado às ilhas onde o intolerável tinha se tornado aceite, e pior ainda, que a putrefação moral por comum era pressuposta como normal.
Sua deterioração era apenas um efeito da reação dos que burlados desde sempre, agora contavam com quixotes dispostos a quebrar os moinhos da imoralidade dos quais recebiam suas energias.
Anulação da viciada, fim do vício.

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