CONSTITUCIONALISMO E CORRUPÇÃO: VIDA E MORTE DE POSTULADOS AXIOLÓGICOS

John Locke, ao defender o "governo por consentimento" em sua obra “Dois Tratados sobre o Governo Civil”[1], criou um dos pilares do constitucionalismo, que derivado do contrato social, fundamenta a aceitação do "Government" (o que não significa governo de turno) e a obediência à “Law” (Under law, que não deve ser confundida com legislação), que representantes estabeleceram para reger a vida da comunidade política.
O constitucionalismo é a racionalidade axiológica normativa humana (Rahn), que aparece como o paradigma de organização e estruturação da vida social, da política, da institucionalização dos poderes e das formas e maneiras do Direito, cujo valor transcendental é o homem na sua dimensão política e social. Toda a constituição política e social que ao amparo do Direito se adota deve seguir necessariamente certas exigências de eticidade que são indispensáveis para governantes e representantes públicos, que tem a fundamental missão de servir ao povo e seus interesses (o conceito de “servidores” é aplicável a TODOS aqueles que ocupam cargos públicos), sob a máxima da separação irrestrita entre o interesse público e o interesse privado. 
A probidade administrativa, funcional e corporativa são atitudes amparadas por uma cláusula que vincula todo servidor tanto ao bem legal como ao moral. O constitucionalismo que adveio com o sistema capitalista, onde unicamente é possível, prevê todas as garantias institucionais, procedimentais e legais, mas peca ao perceber-se desprotegido de suficientes garantias morais. Assume-se isso analisando a sequela histórica de desigualdade em que o sistema político capitalista é implantado, cuja evidência mais fatídica é o juízo inverso de que os eleitos e designados (em especial os de maior rango social, político e profissional, como juízes, promotores, ministros, senadores, presidentes, deputados, governadores, vereadores e servidores de alto grau) adquirem essa condição como resultado de méritos próprios e personalíssimos, e portanto, ao serem diferentes e diferenciados (o que inclui salários, verbas indenizatórias, etc.) devem ser servidos pelo poder público que eles "dignificam" e ao qual dedicam seus valiosos serviços, sendo assim merecedores de todas as permissões e proteções. É perceptível que esses são igualmente beneficiários da debilidade do constitucionalismo e em certo sentido são responsáveis pelo Estado em que hoje vivemos.
Dessa forma, lastimavelmente se enraizou a ilógica institucional, eleitoral e política que os servidores deverão servir-se e ser servidos, e para isso, se deve permitir e consentir que grandes investimentos para ser eleito, designado ou indicado sejam feitos, ora por partidos, grupos ou doadores, ora pelos próprios indivíduos, sem que a suspeita de prejuízo os perturbe, pois trata-se de um especial jogo de azar em que ao conseguir o cargo ou a função pública o poder público tudo recompensará, inclusive deixando alta lucratividade. Essa lógica praticante se assemelha ao estoicismo público dos guerreiros romanos, que mesmo voltando “sobre o escudo”, recebiam honras suficientes por parte da comunidade, indicativas de que o esforço dos guerreiros valeu a pena.
Será a corrupção endêmica ao capitalismo, ao constitucionalismo e ao sistema político que ambos geraram? Infelizmente, parece afirmativa a resposta. Logo, somente pode ser combatida com radicais mudanças dentro do sistema político, que envolvendo a vontade da constituição e por meio de processos de correção moral que transformem o combate à corrupção e aos corruptos em ação cotidiana, se enalteça o direito de exercício de poder pelos que são seus legítimos e verdadeiros donos: o Povo. 

Corruptos se desviam da lei e da moralidade que os legitimam ao se enriquecer com o patrimônio público de maneira irregular e criminosa, prejudicando assim, aos donos do poder e traindo a confiança por eles depositada, e por isso, devem ser punidos e excluídos do serviço público. A moralização que se apresenta como imperativo deve envolver a tudo e a todos, devendo ser fundamentada em uma regra de ouro, também moral, que consiste em lhes fazer sentir o peso e rigor da lei, do Direito e da moral positiva, jamais aplicando-lhes a lei com revanchismo, oportunismo ou qualquer outra manifestação de heroísmo messiânico.
Um cidadão, em vídeo veiculado em uma emissora de televisão, diz sobre o Brasil que deseja ter, defendendo o ideal que governantes (adicionamos servidores em geral) deveriam apenas e unicamente receber seus salários; dessa maneira, o serviço público seria (aliás como sempre deveria ter sido) uma honra, e cidadãos ilustres seriam aqueles que se dedicassem a esses cargos. Oportuno e relevante parafrasear Locke e escrever em grandes tábuas de fibra moral: “o consentimento não inclui estabelecer um governo de oligarquia pública que destruí a ordem e o progresso dos governados. ”





[1] LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.


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