ORDEM E PODER: A relação entre o Direito e o Estado - Fontes e funções do Direito (PARTE 3)

Fontes do Direito

O conceito de “fontes do Direito” expressa uma metáfora relativa ao lugar e a maneira em que as normas que formam o Direito positivo são produzidas. Em sentido lato significa também o procedimento através ao qual autoridades normativas participam nos processos de criação jurídica.

Na teoria jurídica estabelece-se a classificação que distingue fontes formais e fontes materiais, embora a ênfase seja feita nas formais enquanto formas de expressão normativa da criação jurídica.

As fontes materiais se relacionam com condições materiais, sistêmicas e sociais em geral ou com demandas normativas que justificam a criação de novas normas ou a alterações das que existem por outras. Esse tipo não forma parte do Direito positivo.

O processo de criação normativa de referência é relativo àquele realizado pelas autoridades normativas. Não se negam outros processos sociais, senão que se delimita à composição e integração das normas que conformam diretamente (fontes diretas e imediatas) o Direito posto, sejam produzidas como normas gerais e abstratas ou como concretizadoras.

As fontes formais (emendas à constituição, leis, leis complementares, medidas provisórias, etc. Vid. Art. 59 da CF para ver alguns exemplos em nível federal) derivam e estão relacionadas com certas autoridades normativas segundo as competências legislativas que a Constituição e o Direito em sentido geral lhes atribuem.

Do processo de criação normativa surgem os veículos normativos que carregam e introduzem no sistema normativo vigente as normas jurídicas que o integram, marcando assim com a promulgação o início da juridicidade destas.

A pertença ao Direito positivo que daí decorre é a singularidade principal das normas jurídicas em face a outras normas sociais.

As funções sociais assignadas ao direito.

As funções do Direito, na Teoria do Direito, não é um assunto muito tradicional, mas porque sempre se entendeu que era uma questão que correspondia à Sociologia do Direito e que saía dos marcos teóricos reservados à Dogmática jurídica e mesmo à Teoria da linha epistemológica da Teoria Pura do Direito de Kelsen.[2]

O distinto tratamento a essa matéria também deriva de indagar-se na compreensão do Direito a sua função enquanto conjunto normativo destinado a regular a sociedade e a vida social, cuja essência somente é comprensível na sua integralidade, a partir da resposta a essa interrogação. [3]

Para essa linha de pensamento as funções foram destacadas mais que as estruturas, porque apreciaram o Direito desde sua razão social justificadora de mediar conflitos por meio da regulamentação, de modo a garantir a ordem, a paz e a convivência pacífica com níveis adequados de sociabilidade entre os seres humanos no meio, apesar das diferenças entre eles. Talvez por isso se explique as coincidências entre os autores que compartilham esse ponto de vista de que o Direito é um instrumento de controle e dominação predominante em nível social.[4] Admitir que o Direito tem importantes funções sociais e que essa perspectiva deve ser incluida nos estudos jurídicos não é uma agenda apenas entre os sociológos do Direito, especialmente desde que se tem avançado em reconhecer a implicação entre validade e eficácia.[5]

Deve ser ressaltada essa conclusão até porque todo Direito sempre necessitou e teve como prioridade a consecusão de certos resultados sociais das suas prescrições.[6] Parece reducionista uma leitura ao Direito dirigida, apenas, às formas semânticas e às estruturas normativas, porque esse exercício epistemológico longe de garantir um resultado confiável deixa como consequência um fenômeno cerceado, justamente na face que justifica sua própria existência. Isolar o Direito para seu estudo, compreensão e explicação do seu contexto social acaba impossibilitando entender o por que de suas formas e estruturas, pelo simples fatos do Direito assumir essas suas formas em razão das funções a que está destinado socialmente.[7]  O problema das funções do Direito nos leva à questão do funcionalismo[8] e desde a perspectiva que apontamos acima (Vid, supra), nos propicia um acercamento ao estruturalismo. [9]

           Se fôssemos responder à pergunta: qual é o papel do Direito, a resposta seria: o Direito é um ordenador da vida social estabelecendo as condutas humanas, os comportamentos, os processos e procedimentos socialmente mais relevantes.  Deve-se ter em conta que quando o Direito estabelece comportamentos ordenando a vida social, realiza duas coisas de maior importância: (i) concilia interesses e com isso evita conflitos, mas, (ii) se de qualquer maneira, os conflitos acontecerem, atua como mediador entre os lados em conflitos utilizando autoridades normativas designadas e as regras a serem seguidas.

Em sentido geral a função do Direito radica em ordenar a vida social, propiciar a convivência pacífica e harmônica dos indivíduos, cuidando-se que seja procurado o bem comum de todos. Isto posto, daria para concluir que a função essencial, social, relevante do Direito é a realização da justiça e a paz em nível social.[10]

Uma tipologia das funções do Direito[11] deriva do que definimos como papel principal do Direito, isto é, ordenador e regulador da sociedade e das relações sociais. Assim, relacionamos as seguintes:

Função de integração e controle social.



Função de resolução de conflitos.



Função de orientação social.



Função de legitimação do poder e institucionalização das autoridades normativas.



Função distributiva.



Função educativa.



Função repressiva.



Função promocional.



Função de estruturação e ordenação sistêmica normativa.



[1] Vid. REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. 25 edição. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 139 - 181.
[2] Se KELSEN negou a relevância dessa abordagem das funções do Direito para sua Ciência jurídica, a sociologia do Direito e seus teóricos e a própria escola institucionalista fez o contrário. A diferença foi marcada pela leitura formalista e apenas estrutural do Direito, do primeiro, e outra integral, funcional e factual, dos segundos. Vid. KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. 6º ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
[3] Outras leitura do Direito desde uma perspectiva da sua funcionalidade, no sentido teleológico em IHERING, A finalidade do Direito e A luta pelo Direito.
[4] Desde leituras diferentes e irreconciliavelmente contrapostas, MARX e WEBER.
[5] KELSEN (1960), já o tinha feito na segunda edição de sua Teoria pura do Direito, e HART (2007) o desenvolve ao ponto de destacar a relevância das regras de julgamento. 
[6] Fins tão universais como a própria experiência jurídica.
[7] Uma reflexão sobre as regras de julgamento e o próprio sentido das regras secundárias, de que aquelas fazem parte, conduzem necessariamente a essa conclusão. Vid. HART., Op. cit....
[8] Vid. Durheim, Duguit, Luhman.
[9] Regra geral, a Teoria jurídica separa ambos enfoques. Parece que HART com a ideia de regras secundárias, em especial as de julgamento e alteração e no mesmo sentido KELSEN, ao descrever uma tipologia das normas jurídicas, possibilitam que seja feita essa aproximação. Vid. O conceito de direito. op. cit..,  e A teoria pura do direito. op. cit.....
[10] Toda justiça, como toda realização desta, ao igual que a felicidade como direito e atributo do homem têm como contexto a sociedade e as relações sociais que nela se desenvolvem, sendo a responsabilidade por viabilizar essa realização é principalmente, atribuída ao Direito. Vid. REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 1991.
[11] Para toda essa temática, Vid. PECES-BARBA et al.; BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 6 ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1995.


BIBLIOGRAFIA BÁSICA

KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. 6º ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 309-355.


REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. 25 edição. São Paulo: Saraiva, 2001. p.129-172


____________. Lições preliminares de Direito. 25 edição. São Paulo: Saraiva, 2001. p.349-355

ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria geral do Estado. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 383-462.

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