ORDEM E PODER: A relação entre o Direito e o Estado (PARTE 1)

O tema combina conceitos de grande transcendência para a Teoria do Estado, a Teoria da Constituição e a Teoria do Direito, através dos quais é possível descrever e compreender tanto a organização política de uma sociedade como as formas utilizadas para estabelecer juridicamente sua existência, ao passo que permitem analisar outros conceitos com eles relacionados e derivados.

Quando se fala em Ordem, refere-se à organização que um determinado sistema normativo cria, dando singularidade ao conjunto das relações sociais que são por ele reguladas. Já o conceito Poder é utilizado para designar uma forma de dominação, que contando que seja hegemônica, garante a supremacia social de um determinado paradigma de organização das relações sociais.

Ordem e Poder são, pois, entendidos como atributos essenciais de toda sociedade, logo é nela que acontecem as relações sociais, e onde em definitivo deve valer a primeira e é exercitada a segunda.

Parte-se do pressuposto teórico que a Ordem e o Poder devem ser completados com determinados adjetivos, que na realidade acabam dando o sentido e a significação da sua utilização, e sem os quais sua conotação teórica seria incompreensível. Então, pensa-se no contexto deste tema em Ordem Jurídica e Ordem Social e em Poder Político e Poder Social.

Com o Social identifica-se o todo e com o político-jurídico as partes, porque se entende que além do fator “poder político”, inclusive antes dele, existe e sempre existiu convivência e organização, não derivadas necessariamente de um sistema de Direito. Assim, acredita-se que o político-jurídico abarca uma determinada esfera das relações sociais, e a vida social, justamente aquela esfera relacionada mais diretamente com os assuntos de maior transcendência e que resultam determinantes para um tipo determinado de existência da comunidade humana.

O conceito de Ordem permite a coincidência de seu estudo nas diferentes linhas de pesquisa pela versatilidade e as várias construções em que a palavra “ordem” pode ser utilizada: ordem jurídica, ordem social, ordem comunitária, ordem política e ordem organizacional, por exemplo. Isto porque existia a consciência que, além da Ordem Jurídica, outras (oficiais ou não, legitimas ou não, legais ou não) igualmente inspiradas em valores (justos ou injustos), determinadas como conseqüência da existência de certas regras (escritas ou não), que sendo criadas por autoridade (individual ou coletiva; legítimas ou ilegítimas), pretendem a realização de um determinado projeto de convivência comum.

O conceito de Poder está presente em diferentes linhas de pesquisa, sejam políticas, jurídicas, sociológicas, filosóficas ou éticas, pelas suas diversas manifestações: poder estatal, poder político, poder social, poder comunitário, poder organizacional, dentre outros. Lógico, conclui-se isso admitindo que toda convivência humana ou agrupamento humano precisa, como condição de sua existência, do comando ou condução a ser feita por certo Poder como centro decisório.

A coexistência da Ordem e do Poder reconhece-se como condição indispensável para a existência harmônica de qualquer organização humana, sob pena de autodestruição. A relação de interdependência entre ambos impede a sua separação quando se refere a problemas do Estado e do Direito.

Ambos, em resumo, procuram uma finalidade, uma missão teleológica, que na maioria das vezes coincide. Coincidência relacionada com o intuito da realização de um determinado paradigma comunitário, normativo, ideológico e político.

Quando se estuda o Direito é preciso abordar o Estado e colocar na pauta a relação entre Estado e Direito. Tal necessidade é compreensível atualmente porque a partir do Estado moderno se afirmou a supremacia e preeminência do Estado sobre outras formas de organização e do Direito em face a outros sistemas normativos, dado que ele é produzido exclusivamente pelo Estado e porque fora deste não existe aquele ou pelo menos, o Direito positivo.

Pelo respaldo e garantia que tem do Estado, o Direito positivo torna-se o Direito Legal, ao tempo que o Estado, pela institucionalização jurídica que faz do Direito, apresenta o Estado Legitimo. Tal raciocínio tem justificado o que para alguns teóricos seria a regra de ouro: a relação Direito–Estado e Estado–Direito. Assim, se fala de Direito onde existe uma autoridade reconhecidamente legitimada para criar e impor normas à comunidade politicamente constituída.

No sentido moderno de ambos termos não existe Estado sem Direito, nem este sem aquele. Assim, o Direito sempre será o Direito do Estado. Aquele sistema de normas que foram produzidas, promulgada e protegidas pelo Estado para regular e controlar a vida social. Aquelas normas criadas pelo Estado no seu conjunto como sistema, formam o ordenamento jurídico do Estado. O Estado cria a ordem jurídica. O Estado protege e cuida da realização social do Direito posto.

A juridicidade e a supremacia normativa são características do Direito, e fazem com que ele mantenha uma relação necessária com o Estado e se “aproveite” do predomínio social deste. Isto tem sido o motivo para defender que a referência legitimadora principal para o Direito é a vontade estatal que ele veicula e o ato decisionista que a promulga.

A relação entre Direito e Estado é relevante e possui muita importância. Observe-se que o Estado cria o Direito, ao tempo que este último fixa e regula a maneira em que o primeiro se organiza, constitui e funciona. Novamente, não existe Direito sem Estado, como não existe Estado sem Direito.

Esse tipo de conexão obriga a destacar a dimensão política do jurídico e a normativa do político, o que conduziu alguns à conclusão que entre eles existe uma interdependência que leva à identidade. Kelsen continua a ser o maior exemplo entre esses autores.

Na sociedade encontramos outros conjuntos de normas que também têm como finalidade o controle da vida em coletividade, tais como as regras morais, religiosas, de trato social, de etiqueta, etc. Então, o que diferencia as normas criadas pelo Estado dessas demais regras também vigentes na sociedade? As normas que são produzidas com o respaldo do Estado e identificadas como o Direito, recebem como diferenciador um adjetivo que faz destacar a fisionomia e singularidade de tais normas: normas jurídicas. Normas que conformam um sistema jurídico “que pretende ser supremo” (Raz) e cuja abrangência normativa supera as dos demais sistemas normativos.

A expressão “jurídica” nos remete, necessariamente, aos conceitos de autoridade normativa e coerção. O primeiro, sinalizando que não todo poder social cria Direito, embora crie normas que inclusive sejam seguidas, impostas e respaldadas por alguma forma de punição se descumpridas. O outro resulta um indicativo de que as normas jurídicas possuem também como singularidade a garantia de eficácia social, com a intervenção de autoridades estatais e a “autorização” do uso da força, até mesmo a física, em caso de necessidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. 6º ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 309-355.

REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. 25 edição. São Paulo: Saraiva, 2001. p.129-172


____________. Lições preliminares de Direito. 25 edição. São Paulo: Saraiva, 2001. p.349-355

ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria geral do Estado. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 383-462.









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