CORRENTES DO PENSAMENTO JURÍDICO: REALISMO JURÍDICO E PÓS-POSITIVISMO
O realismo jurídico[1] é uma corrente do pensamento jurídico que entende o Direito como um sistema de regulação e controle social vivo, dinâmico e cuja vitalidade normativa se associa a sua eficácia e à intervenção dos juízes, ou seja, autoridades normativas encarregadas pela aplicação. Como consequência, os juristas que nela militam (geralmente aqueles com experiências jurídicas situadas em sistemas jurídicos da família Common Law[2]) reconhecem como referencial fundamental ao Direito os precedentes, característica que sempre marcou a diferença com o pensamento dos juristas cuja vida e obra jurídica teve o contexto de sistemas jurídicos pertencentes à familia Civil Law.[3]
Para um realista jurídico existem as normas, mas elas não são os elementos essenciais do Direito, senão guias de ação e apreciação que posteriormente poderão ser usadas pelos juízes se optarem pelas suas previsões para resolver casos concretos. O Direito se define e constrói a partir da opinião individual de cada juiz, durante o momento de interpretar e agir sobre os fatos a ele submetido.
Tal tradição não pode ser entendida como uma desvalorização às leis e a segurança jurídica, dado que há uma prática socialmente aceita de que a sociedade se rege pela vontade das leis e não pela vontade dos homens. Logo, a sociedade reconhece aos juízes a autoridade para dizer o que é Direito em cada caso concreto (Judge makes Law), ao passo que a atividade é limitada pelos precedentes, a tradição jurídica e de certa forma a moral positiva. Ou seja, o poder não é irrestrito.
As condutas que as normas prevêm pela sua natureza geral e abstrata precisam ser concretizadas, e nesse contexto é justamente que o juiz detém toda relevância segundo os realistas, que defendem a existência de uma liberdade funcional concedida para ele produzir o verdadeiro Direito. Assim, não é estranho que os realistas aceitem e ressaltem o papel das mais diversas motivações pessoais do juiz na hora de resolver os casos concretos. Por conseguinte, cada decisão judicial é representativa do juiz que a emite e especialmente, da maneira pessoal de avaliar fatos sociais, as normas guias e os precedentes.
Na literatura jurídica destaca-se uma diferença entre o realismo norte-americano e o realismo escandinavo;[4] desde Lewellyn[5] a Dworkin[6] há muita variação, no mesmo sentido de Roos ao Olivecrona.[7]
Ao realismo jurídico, em regra geral, lhe é alheio o apriorismo que caracteriza o jusnaturalismo, visto que se sustenta em um empirismo centralizado na atuação do juiz em face aos casos concretos e entende as decisões deste como atos de vontade.[8] Na perspectiva do realismo jurídico, se considera estranho o formalismo dogmático que caracterizou o positivismo jurídico. Os realistas centralizam o debate jurídico na produção normativa judicial e na maneira em que esse processo acontece, por isso que na tradição norte-americana, por exemplo, o Case Law seja a fórmula para estudar e compreender o Direito como fenômeno normativo.[9]
O pós-positivismo, mais que uma corrente do pensamento jurídico é resultado das críticas realizadas nos últimos 150 anos aos excessos tanto do jusnaturalismo como do positivismo jurídico, cujo maior contribuição é uma compreensão do Direito como sistema normativo que possui um elemento constitutivo importante em certos postulados axiológicos, que por serem a consequência de uma experiência normativa, foram universalizados, e servem ao Direito como fundamentos e limites.[10]
Embora acostuma-se situar o pós-positivismo a partir da segunda metade do Século XX, pessoalmente considero que suas origens devem ser procuradas nos finais do Século XIX,[11] pois desde então vozes críticas haviam se pronunciado contra os defensores do Direito natural e do Direito positivo. A lista iria desde KIRCHMAN, SAVYGNI, IHERING, MARX, STAMMER, DEL VECCHIO, RADBRUC, a até o próprio KELSEN.
Porém, sem dúvidas, os acontecimentos históricos relativos ao nazismo e o fascismo com a experiência de horror contra o homem e a dignidade humana que o caracterizaram, trouxeram o convencimento dos necessários limites ao Direito, ao poder de legislar e à racionalidade do legislador, e em igual sentido, a importância da conveniência de uma teoria jurídica que sustentasse um monismo axiologicamente justificado.[12]
Um Direito pautado por certos valores que ademais de justificá-lo teriam ao homem, seus direitos e liberdades como valor de maior relevância e transcendência normativa é a característica mais marcante do pós-positivismo como posicionamento jusfilosófico de nossos tempos.[13]
[1] Uma ampla e exposição do realismo jurídico em DINIZ, Compêncio....Op. cit.
[2] Vid. MORRIS, Clarence. >>>>>>>, para ler diretamente dos textos ali contidos o pensamento dos juristas norte-americanos mais representativos. A obra de ROOS, Alf., Sobre o direito e a justiça....., permitiria compreender o pensamento desse autor, digno e relevante representante do Realismo jurídico, mesmo que seja dentro da corrente identificada como Realismo escandinavo.Vid. DINIZ...Op cit. para um resumo da obra e pensamento de ROOS. Um realismo jurídico mais axiologicamente orientado em DWORKIN, R. Levando os direitos à sério..... e O Império do Direito
[3] Uma aproximação entre as famílias de Direito tem acontecido e inclusive tem levado a restar transcendência a essa distinção. Creio que essa aproximação remonta-se a dois fatos, a saber: i) que uma comunidade política em processo de fundação cuja "descendência " era a Commom law tenha adotado como referencial normativo uma lei, isto é, a Constituição dos Estados Unidos de América, Filadélfia em 1787; ii) que uma comunidade política pertencente à família Civil law tenha-se instituído um Tribunal Constitucional, Viena em 1920, com poderes para revisar as decisões do Legislativo. Recomendo para mais e melhor conhecimento: GILLISEN, J. Introdução…; DAVI, R. Sistemas ......
Sobre o processo constituinte dos Estados Unidos de América e o significado da Constituição Federal: MADISON, HAMILTON, JAY. O federalista....
[4] Pouco destaque da-se aos juristas ingleses quando se trata o realismo muito a pesar de Inglaterra ter sido históricamente o berço da familia de direito da Commom Law. Vale destacar a obra dos juízes BLASCTONE, GOLDASTONE. Mencionar a relevância da obra de AUSTIN no Século XIX, ainda que destaque entre os analíticos e no Século XX de H.L.A. Hart, que com sua obra “O conceito de direito” trouxe uma leitura crítica de AUSTIN e um realismo formalista de natureza mais bem normativitista. O caso excepcional de jurista inglês conhecido defensor do legalismo próprio do sistema Civil Law o foi BENTHAN. Vid. MORRIS,. Op. cit.....
[5] Vid. MORRIS, Op. cit, para ampliar e conhecer as ideias de outros juristas norteamericanos, casos específicos de GRAY, CARDOZO, FRANK, DEWEY, POUND.....
[6] Vid. Imperio do direito... Op.cit e Levando os direitos à sério....Op.cit. .
[7] Vid. DINIZ, M.H., Op. cit.......para compreender a obra e o pensamento de ambos juristas.
[8] Interessante se temos em conta que na Declaração de Independência de1776 fala-se de “ verdades auto evidentes” Vid, Declaração de Independência de 1776.
[9] Vid. DEWEY, J. >>>>>>>>>> em MORRIS, C. >>>>>>>>>>
[10] Universalizados e não universais porque foram sendo construidos pela experiência normativa humana e os processos sociais pelos que atravesou, especialmente, o Ocidente, a partir de seus tempos iniciais com a cultura greco-romana. Convencionados e não imutáveis porque resultam, ademais das experiências e de convenções entre as comunidades políticas, especialmente, como resultados de acontecimentos de grande relevância e impacto político e histórico. A história de Europa pode ser tomada como um exemplo suficiente. Vid. GILLISEN, J. Op. cit., >>>>>>>>>
[11] O “Século das luzes” para a teoria jurídica por ter sido os tempos da maior criação e diversidade de escolas e correntes do pensamento jurídico. Vid. AFTALIÒN et al. >>>>>>>> Op. cit>>>; TORRÈ, A. >>>>>>>Op.cit. >>>>>>>> ; GILLISEN, J> Op. cit.>>>>>>>
[12] Esse entendimento parece explicito em RADBRUCH e seus Cinco minutos de filosofia, em Filosofia do Direito......Op. cit., como no próprio HART e seu “conteúdo mínimo de direito natural” em O conceito de direito....Op. cit.....
[13] RADBRUCH; Filosofia do Direito., Op. cit.; KAUFMAN, A. Filosofia do Direito >>>>>; HART. O conceito de Direito. Oop. Cit; DWORKIN. Levando os direitos à sério e O Imperio do Direito. Op. cit.; PERELMAN. Ètica e Direito.. Op. cit.; ALEXY. Teoria dos direitos fundamentais..... entre outros, por somente citar alguns, seriam evidências da nova e diferente teoria jurídica do Século XX.
Comentários
Postar um comentário
Comentários