CORRENTES DO PENSAMENTO JURÍDICO: POSITIVISMO JURÍDICO

O positivismo[1] é a corrente do pensamento jurídico de maior relevância nos últimos cinco séculos, tendo a ver com o surgimento do Estado moderno, o reforço do papel da legislação estatal, o constitucionalismo, a aparição da Sociologia como ciência e do método positivista de que se utiliza e, numa boa proporção pelas fragilidades do jusnaturalismo e o apriorismo epistemológico que lhe é próprio. O positivismo jurídico tem como principal característica comum a todas as teorias e correntes que nele são inclusas a compreensão, a interpretação e a explicação do fenômeno jurídico exclusivamente ao Direito positivo, imprimindo-lhe um viés monista, que nega ou não utiliza a inclusão de postulados axiológicos–morais na atividade epistemológica e gnosiológica de definir o Direito[2] [3].

Não existem dúvidas de que o Direito positivo como ordem jurídica posta a partir de autoridades normativas para regular e controlar a sociedade e as relações sociais, estabelecendo comportamentos, processos e procedimentos[4], é o único que existe e em isso, o positivismo possui méritos incontestáveis. Esse monismo ontologicamente apresentado e defendido favoreceu em muito o avanço e a consolidação do saber jurídico e levou a Epistemologia jurídica a novos patamares.

 Entretanto, essa mesma qualidade introduziu uma redução do campo normativo como objeto de estudo que acabou simplificando o rico e complexo fenômeno normativo, a maior parte das vezes, ao se deixar de admitir e ter em conta inclusive que o Direito como ordem normativa sendo de e para a sociedade, não poderá ser compreendido na sua integralidade à margem do complexo de relações que em torno dele se desenvolvem, ignorando os múltiplos fatores que o condicionam ora na sua produção ora na sua realização.

Talvez, por isso, a justificativa metodológica de neutralidade e a invocada delimitação epistemológica prévia não resistem às críticas, pois, o isolamento o qual o  Direito é submetido na hora de sua análise, apenas consegue hipertrofiar seu conteúdo e sua própria essência[5] [6]. Nem mesmo o definido como Neo-positivismo, bem representado por Hart em O Conceito do Direito, tem escapado de críticas[7].

Outra das principais características do pensamento positivista tem sido o destaque à sanção como, inclusive, elemento constitutivo do Direito[8], o qual há gerado as mais variadas críticas, até dentro do próprio positivismo[9]. A sanção é um elemento relevante do Direito na sua perspectiva reguladora-imperativa-obrigatória e alguns enunciados de Direito conseguem sua perfeição ao registrar as consequências negativas (sanção) quando descumprido o dever jurídico prefixado para um contexto fático determinado (hipótese), mas isto não pode ser dado como absoluto, pois o Direito detém outras funções, como é o caso educativo e promocional[10], inclusive até mesmo dentro do conjunto normativo do Direito penal, onde o Direito não necessita ser associados a uma sanção para que seja admitida sua validade ou relevância jurídico- normativa[11].

Um outro elemento teórico que caracteriza o positivismo e que tem levantado várias críticas, é o reducionismo pelo qual identifica-se o Direito como fenômeno normativo com a legislação válida e vigente numa determinada comunidade política, por obra do legislador e dos procedimentos legais previamente estabelecidos, na própria ordem jurídica. O maior problema dessa identificação é reduzir toda a experiência jurídica de um povo ou nação à vontade de certos grupos ou indivíduos que tenham assumido o controle do poder e por isso, a capacidade de legislar, de uma parte, e que acaba por neutralizar, de outra, qualquer juízo de valor crítico ao Direito posto, que como bem a história tem demostrado poder ser contrário a elementares princípios de humanismo e civilidade.

A negativa positivista a reconhecer a existência de postulados axiológicos que funcionem como limites ao Direito positivo e inclusive que o precedam por serem considerados axiomas[12], com a justificativa da neutralidade e imparcialidade científica e metodológica, conduz ao desconhecimento de um “Direito pressuposto” e à produção de um Direito ilegal[13].

 Seria menos relevante tal característica, porque ao final todo Direito tem um componente legislado importante e maioritário, se não fosse pela ignorância implícita das funções sociais que à ordem jurídica são atribuídas e das quais e pelas quais o Direito adota as formas normativas que  o compõem e identificam[14].

 Por último, cita-se como outra identificação positivista a rígida separação que se defende entre Direito-Moral[15]. Poder-se-iam argumentar as mesmas críticas anteriores, mas, apenas, deixa-se declarado que a compreensão do Direito fora e isolado do contexto moral-axiológico a que está destinado e onde deve atingir um mínimo de eficácia e respaldo para ser considerado vigente[16], desvelaria um conjunto normativo, como objeto de estudo, sem razão social justificadora e em consequência, não destinado à regulação (uma negação de sua própria essência reguladora como fenômeno) de sociedades humanas concretas. Por isso, como fenômeno jurídico seria transportável ao Egito teocrático, à República romana; à França de Luis XIV, aos Estados Unidos escravagista do Século XIX, à Alemanha nazista ou à África do Sul racista anterior a Mandela. Admitir a relação Direito-Moral para compreender o Direito é não somente necessário como relevante metodologicamente, em favor da sua integralidade fenomenológica, o qual não supõe como demanda uma pré determinação do tipo de moralidade existente.



[1] Um referencial obrigatório na caracterização dessa corrente do pensamento jurídico seria BOBBIO., O Positivismo jurídico....; em igual sentido, REALE, Filosofia....; DINIZ., Compêndio..... e tantos e muitos outros. Uma leitura das obras e pensamento de autores inclusos nessa corrente deveria incluir: KELSEN, HART, representativos de duas formas diferentes de positivismo.
[2] Entre as linhas de maior destaque dentro do positivismo estariam: o empirismo, a escola histórica, o normativisto, o institucionalismo, as teórias sociológicas,  o formalismo, a analítica, neo-positivismo, entre outros. Alguns autores preferem não utilizar o conceito identificador de positivismo. Uma sinteses de muitas delas em DINIZ., Compêndio ......
[3] Algunas orientações das mais destacadas:
a) Formalismo jurídico – a expressão mais radical do positivismo, aquele que não reconhece nenhuma relação entre Direito e moral, que explica que o Direito é mesmo um sistema de norma, que não pode ser entendido nem explicado na sua relação com a moral. Moral é uma coisa que está fora do Direito. O formalismo jurídico é o processo que explica o Direito como mecanismo, como sistema normativo. O mais importante representante do formalismo jurídico é Hans Kelsen, e por isso é também conhecido como formalismo Kelseniano. Diz Kelsen na “Teoria Pura do Direito”, que para estudar e para definir o Direito, é necessário separar o Direito da moral, porque misturá-los traz como consequência a incerteza de que coisa é Direito. O que não significa que Kelsen não acreditava na existência e importância da moral. Ele apenas defende que a moral é uma questão da ciência da ética, e o Direito é uma questão da ciência do Direito, e não podem ser misturados;
b)Escola Histórica do Direito – Nesta segunda grande tendência não se entende o Direito positivo como origem do Estado. Para a escola histórica do Direito, o Direito é resultado da experiência histórica vivida pelo povo. Ou seja, não é a moral que dá fundamento ao Direito positivo, o que dá fundamento ao Direito positivo é a experiência histórica dos povos. Entretanto, nessa relação Direito e moral prevalece para os historicistas novamente o Direito. Eles são bem representados por Savigny Puchta;
c)Institucionalismo – passa a reconhecer o Direito positivo como fundamento dessa relação. Na relação Direito e moral prevalece o Direito positivo, só que eles vêem que o Direito é produto das diferentes instituições que existem na sociedade. Eles estão bem representados por Santi Romano e Duguit;
d)Neopositivismo ou positivismo moderado – a tendência que reconhece que o Direito positivo tem uma relação com a moral, e quem prevalece nessa relação é o Direito positivo. Só que a moral tem, para eles um peso importante na confirmação do Direito, e estão bem representados por Hebert Hart;
e)Empirismo jurídico – cujo representante mais importante é Ihering, que fundamenta o Direito a partir de entender que o Direito tem uma utilidade social, e nesta relação Direito e moral, eles fazem prevalecer o Direito, mas dizem o seguinte: o Direito existe porque socialmente cumpre uma missão, que é satisfazer a maior quantidade de pessoas, é procurar que a maior quantidade de pessoas viva feliz. Chama-se empirismo porque vê o Direito com base em um pragmatismo, a uma realidade social utilitarista.
[4] Segundo certa racionalidade axiológica normativa humana (Rahn) predominante socialmente. Vid. MARIÑO- CASTELLANOS....
[5] Vid. RUSSO... Op. cit. . Neste VOLUME , veja-se o CAPÍTULO III., Supra. Págs.....
[6] A própria Analítica tem sido crítica por minimizar e ignorar elementos imprescindíveis para entender o que é Direito, isto pela redução do fenômeno jurídico apenas ao seu aspeto semântico- linguístico. Críticas podem ser lidas em: HART., O conceito de direito. Op. cit. e em REALE., Filosofia....Op. cit.
[7] Sobre as ideias defendidas pelo autor citado e as críticas que recebeu, especialmente, Vid. DWORKIN, Levando os direitos a sério, e para os mesmos fins, O império do Direito.
[8] KELSEN., seria um exemplo suficiente de estudar. Vid. A Teoria pura do Direito..... e Teoria geral do Direito e do Estado.... As críticas a este posicionamento, entre outras muitas, poderiam ser analizadas em ALCHOURRON e BULIGUIN., Introducción a las ciencias sociales y jurídicas.....
[9] Parece um exemplo suficiente, BOBBIO., Teoria do Ordenamento jurídico.. e Teoria da norma jurídica....
[10] Sobre as funções do Direito, Vid. PECES- BARBA et al. ...... Neste VOLUME trata-se o assunto no Capítulo VI.
[11] KELSEN, utiliza a denominação “pedaços de normas”  e “ normas incompletas”, mas isso, tem sido suficientemente discutido e criticado. Vid. BOBBIO, Op. cit., ALCHOURRON e BULYGUIN, Op. cit
[12] Vid. DWORKIN., Levando os direitos à sério, Op. cit.; O império do direito....Op. cit.
[13] A expressão que foi utilizada por RADBRUCH, reflete muito bem a ideia que direitos positivos podem ser moralmente ilegais e isto, acaba indo contra a própria natureza e essência do Direito, en consequeência tratar-se-ia de um não-direito. Vid. Filosofia do Direito. Apêndice: Cinco minutos de filosofia.....Op. cit.
[14] Uma análise da tipologia de BOBBIO sería ilustrativa para compreender com profundidade o positivismo. Nessa outra o autor introduz três maneiras de positivismo, a saber, Metodológico; Teórico e Ideológico.Vid. O positivismo jurídico...Op. cit.
[15] KELSEN, seria um exemplo representativo. Vid. Op. cit.  No mesmo sentido HART. Op. cit. Existe uma polêmica entre BULYGUIN  e ALEXY sobre a relação entre Direito e Moral, que bem permite indentificar dois posições irreconciliáveis.
[16] Sobre a relação entre Validade e Eficácia, Vid. HART., O conceito...Op. cit., KELSEN., Teoria pura...Op. cit.. Lembrando que aceitação deste autor dessa relação somente aparece na 2da. Edição em Alemã da obra em 1960. Para a compreensão mais profunda., Vid, AGUILÒ .....

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