SOB NOVA DIREÇÃO


Sieyès, em sua memorável obra “O que é o terceiro Estado?[1] pauta para a Constituinte de 1789 as razões que justificavam as mudanças da sede do poder e da qualidade de representação. Ao defender e aclamar o Terceiro Estado, destacava que a presença numerosa da classe em nível social influía determinadamente nos processos produtivos e na arrecadação de imposto, fundamentando não só maior representatividade, senão mais destaque na participação na vida política e consequentemente na gestão dos assuntos públicos. O político e eclesiástico francês a que fazemos referência foi um dos âncoras da democracia representativa.
Parece tanto razoável como racional que a representação nas instituições, órgãos e os próprios poderes da soberania corresponda e seja um autêntico reflexo da estrutura e composição social, por isso, é defensável que os grupos, associações e classes sociais estejam naqueles representados em similar proporção que na sociedade civil. A violação desse equilíbrio deixa a representatividade assimétrica e a representação torna-se uma utopia.
Muitos dos problemas políticos, sociais, institucionais e as evidentes fragilidades de nossa democracia têm como origem os desvios que por tradição patológica acontecem desde a formação da República e é a causa direta de vivermos uma democracia não popular.
Quem são os culpados? Não se podendo responsabilizar mais os portugueses e a dominação cultural lusa, resulta imperativo apontar para nós mesmos, isto é, para cada um dos que compõe a nação atual. Hoje existe, visivelmente, um resultado caracterizado pela formação de uma aristocracia política, cujo núcleo forte são os caciques dos partidos políticos que tem protagonizado a vida política nacional nos últimos 30 anos. Longevidade política essa que tem impedido uma renovação significativa dos representantes e dificultado o acesso à política, ao protagonismo político e ao desempenho de cargos e funções públicas por parte do "terceiro estado”, o qual quer dizer que os grupos e classes sociais de maior representação na sociedade estão fora da classe política. 
Então, a representatividade está em crise, coberta por uma falência geral que produziu um fatal descompasso entre os interesses dos que se dizem representantes e os reais interesses daqueles que são a maioria, os que mais produzem, os que mais contribuem e em definitivo, à porção mais autêntica do povo. Exceção honrosa nos avanços é a incorporação da mulher à vida política do país, mas claramente não resolveu as falhas de representatividade.
Urge voltar ao Sieyés, e pôr os mandos da democracia representativa, em caráter de urgência, sob nova direção.
A repetida incapacidade das massas populares de governar e a consequente falácia de que a política deve ser feita pelos que possuem "preparação” deve ser banida definitivamente. 
Os partidos políticos tradicionais e seus canais democráticos de participação devem ser renovados e popularizados, ou simplesmente enfrentados por novos partidos políticos cujos alicerces sociais deverão ser representantes eleitos nas bases pelos seus pares, sempre sob a possibilidade de revogação do mandato, em caso de desvio de conduta.
A institucionalização da “prestação de contas” dos representantes não diminuiria a democracia representativa, mas a fortaleceria.
Uma ótima oportunidade para mudanças imediatas e melhorias quanto a direção do país está por chegar e deve ser aproveitada, sob pena de trocar a representatividade democrática, que nos faz melhor, por uma tirania aristocrática que não seria nem representativa nem democrática.



[1] SIEYÈS, Emmanuel Joseph. A Constituinte Burguesa (Qu’est-ce que le Tiers État?). 6 ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2015.


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