NÃO SOMOS OS CULPADOS, APENAS AS VÍTIMAS


Rousseau[1] já havia advertido do incauto que seria delegar a titularidade da soberania, mas seguimos caminho e orientação em sentido contrário. Ele, que estava fora dos grupos oligárquicos e aristocráticos da França de sua época, entendia que antes melhor o ego que o alter, e que uma pré-convicção social necessária seria a personalização/individualização dos interesses, assim como as necessidades e até mesmo os sonhos sociais. É bem verdade que o contexto comunitário de que se utiliza é uma sociedade de população menor e distante das complexidades políticas e morais das que nós vivemos. Talvez ele tivesse apenas receio da impossibilidade de controle do povo, titular do poder e da soberania, sobre os seus delegados, isto porque ele tinha vivido épocas de elitismo, e conseguiu constatar que sempre um conluio político, social e econômico entre as elites as protegia ante os que desde fora do poder pretendiam trocar a posição. Sua tese foi vencida definitivamente na Assembleia Constituinte de 1789. A democracia representativa foi a opção selecionada.
A partir de ali começaram os problemas que até hoje debilitam as democracias e um de seus pilares fundamentais, isto é, a representatividade. Ocorre que a democracia representativa perdeu representatividade, transformando-a em menos popular. Ela permanece sustentada no contrato social, do ponto de vista político-moral, mas para nossa pena, juridicamente limita-se ao mandato político, de natureza distinta ao mandato civil. Sentimos o tempo todo as consequências de não ter seguido a orientação rousseauniana. Simplesmente, deixamos de ser titulares e donos, para ser serviçais dos que deveriam nos servir quando nos representassem.
Nesse estágio estamos e continuamos à procura de um remédio político para a patologia que destrói nosso poder e todo protagonismo.
Confiar nos que se apresentam como representantes não pode ser interpretada como a nossa culpa. Não seria correto jogar culpabilidade a quem agindo de boa-fé resultou despojado daquilo que lhe pertencia. Usurpadores foram os mandatários, a traição é o crime e por isso, devem ser banidos e punidos.
Claro que uma experiência de traições deveria despertar desconfiança ou quando menos receio, mas a força da mídia, das retóricas e das promessas infinitas de mudanças que são escutadas em períodos de eleições repetidas vezes induziram-nos à mesma torpeza. O traído não pode ser responsável da traição.
É possível em democracias, ainda que imperfeitas, ativar os mecanismos de correção que a contemplam, sendo a prioridade punir os representantes desleais e infiéis, retirando assim a confiança deles, não lhes atribuindo mais a honra de nos representar.


[1] ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. Bauru, SP: EDIPRO, 2013.


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